quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Cidades criativas: do conceito à acção de política

No mundo actual, informado pelo paradigma da globalização das trocas comerciais e da informação, a competição entre cidades e territórios ganha cada vez mais espaço. Neste enquadramento, Richard Florida (2002 e 2005), entre outros, defende que o sucesso das cidades vai depender da sua capacidade para atrair agentes criativos, que, além do mais, se caracterizam pela mobilidade elevada.
Por competitividade, em sentido lato, deve entender-se a capacidade de uma cidade ou território criar e preservar uma dinâmica económica que sustente a geração de valor e de emprego. Um instrumento essencial de competitividade das economias modernas é a inovação, pensada como invenção/criatividade conjugada com pertinência social, isto é, capacidade de criar valor económico.
Interpretada desta forma, a criatividade é reconhecida como um instrumento fundamental não apenas na criação de riqueza e emprego mas, também, na geração de condições para que se alcance um desenvolvimento sustentável. A esta luz, as regiões com futuro serão as que ofereçam no mercado global produtos inovadores e/ou singulares e serviços criativos, atraindo talento e capital e proporcionando desenvolvimento económico sustentável.
A criatividade tem a ver com a originalidade, a diferença. A criatividade prende-se estreitamente com a capacidade de desenvolver novos projectos e processos, isto é, produtos, serviços e formas de fazer inovadores. O poder visionário e a fantasia, assim como ideias não convencionais, aliados à vontade de experimentar e correr riscos são componentes essenciais da criatividade, estando-lhe subjacente um pensamento multidimensional. Por isso, enquadramentos culturais abertos, territórios que sejam centros de encontro de gentes com vivências distintas, de certa dimensão demográfica e económica, são particularmente férteis a este nível.
Actualmente, segundo dados da O.N.U., as indústrias criativas crescem a uma taxa média anual de 10%. Como definição de indústrias criativas é possível considerar, genericamente, aquelas actividades que têm a sua origem na criatividade, competências e talento individual. Entre os seus sectores-chave encontramos os seguintes: publicidade; arquitectura; mercado de artes e antiguidades; design; moda; filmes, vídeos e outras produções audiovisuais; design gráfico; música; artes e entretenimento; difusão através da televisão, rádio e Internet; escrita e publicação. É ainda possível incluir sectores que envolvam tecnologia de ponta, como a investigação em ciências da vida ou em engenharia. O património cultural e os museus são também identificados como estando próximos das indústrias criativas.
Nesta acepção, a criatividade vai para além da investigação académica e tem terreno fértil de exploração no campo da elaboração de políticas nacionais, regionais e locais. Há no entanto que ter presente escalas de operação ajustadas, e daí a vantagem das áreas metropolitanas, e de lógicas de rede, que normalmente extravasam as próprias fronteiras nacionais. Não espanta por isso terem vindo a multiplicar-se nos derradeiros anos os eventos dedicados a estas temáticas. Com estas iniciativas públicas pretende-se mostrar a importância da criatividade e da inovação no desenvolvimento dos territórios e gerar sensibilidade social para estas problemáticas.
Como forma de avaliar o potencial criativo das cidades, dos territórios, e, igualmente, de perspectivar estratégias que os qualifiquem, usa-se invocar a presença/ausência de 3 Ts, que são: a Tecnologia; o Talento; e a Tolerância. A estes, deve juntar-se um quarto atributo: a Distinção, reportada à qualidade de vida e à variedade do equipamento social e cultural disponível. Só uma boa conjugação destes factores lhes permite (às cidades/territórios), serem capazes de atrair, reter e desenvolver pessoas criativas. A competitividade de cidades, de territórios que queiram fazer da criatividade, da inovação, o seu motor de desenvolvimento vai depender do nível de dotação e qualidade desses atributos.
São peças estruturantes deste processo de dinamização criativa das cidades (territórios): i) as Universidades e os Centros de I&D, em primeira linha; ii) os Teatros, as Bibliotecas e os Museus, que devem servir como infra-estruturas complementares de suporte à criatividade; iii) as políticas culturais e ambientais, que têm papel importante na preservação da herança cultural e ambiental, e que fornecem ancoragem para a criatividade dos agentes sociais e culturais e dos cidadãos, de um modo geral; e iv) o conjunto dos cidadãos, na medida em que se lhes consiga passar essa cultura e sejam capazes de absorver esta dimensão de pensar a vida em sociedade e esse espírito empreendedor.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Turismo cultural: o caso de Guimarães

Nos 14 e 15 de Novembro de 2008 realizou-se em Arcos de Valdevez, Portugal, na Casa das Artes, o “2º Congresso Internacional Casa Nobre: um Património para o Futuro”, uma iniciativa que se repete 3 anos depois da concretização do primeiro evento. O congresso cobriu áreas temáticas diversas, que foram da memória histórica e da heráldica à arquitectura e ao restauro, das políticas culturais e de defesa do património ao turismo, na sua relação com o desenvolvimento regional.
Retenho do primeiro encontro gratas recordações, em razão da valia das comunicações que foram apresentadas e de toda a ambiência social vivida. Essas e outras razões levaram-me a estar presente na segunda edição com um texto cuja autoria partilho com Paula Cristina Remoaldo, professora do Departamento de Geografia do Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho. O tema tratado foi o “Património cultural e estratégia de desenvolvimento turístico da cidade de Guimarães”, onde se procurava ligar preservação do património e valorização turística e, logo, desenvolvimento local (urbano).
A problemática é mais complexa do que à primeira vista se sugere, já que, se a actividade turística é uma das formas contemporâneas de aproveitamento dos recursos dos territórios, com peso crescente nalguns deles, também não deixa de ser verdade que a actividade turística é, muitas vezes, delapidadora dos recursos patrimoniais e ambientais e responsável pela perda de identidade dos territórios. Acrescente-se que a actividade turística só fará parte do processo de desenvolvimento regional/local quando for capaz de se integrar na organização global do sistema produtivo e não quando seja implementada como uma prática autónoma. Só neste caso os efeitos económicos da actividade serão majorados e o benefício económico resultante chegará a um maior número de agentes locais.
Por constituir um bom exemplo de conservação do património urbano português, e pela elevada carga simbólica que carrega, estando indissociavelmente ligada à ideia de “berço da nacionalidade”, pareceu-nos adequado reter para estudo Guimarães. Essa opção sugeriu-se-nos tanto mais justificada quanto, após a atribuição pela U.N.E.S.C.O., em 2001, da designação de Património da Humanidade ao seu centro histórico, tem havido um claro esforço no sentido de incrementar a oferta de infra-estruturas e de materializar um programa de animação turística mais rico. É da análise da estratégia de desenvolvimento turístico seguida da cidade, seus roteiros, imagem turística e dinâmica cultural que a comunicação fala.
O estudo realizado tem que ser tomado como uma abordagem inicial da problemática em título. Mesmo assim, esperamos que possa ser útil aos responsáveis pela gestão do turismo de Guimarães e de outros territórios que tenham projectos de dinamização do turismo cultural.
Das conclusões do estudo, retenho o seguinte:
«[…] o desfrute cultural e a contemplação do património são motivações sempre retidas entre as que estão na origem das deslocações turísticas dos nossos dias. A cultura, tradições e modos de vida constituem, mesmo, factores de atracção que tomam crescente importância em razão da procura subsistente em certos sectores sociais de singularidade, autenticidade e de busca de experiências intelectualmente estimulantes e mais diversificadas.»
«Guimarães viu reconhecida a valia do seu património monumental pela U.N.E.S.C.O. […]. Isso deu credibilidade ao trabalho de recuperação do património urbano prosseguido pela autarquia local e alguma visibilidade pública potenciadora do turismo e da visita com motivação cultural. Não assegurou a respectiva transformação num destino de turismo cultural por excelência, sobretudo à escala internacional, nem é suficiente para fazer do turismo um ancoradouro seguro do seu desenvolvimento, por razões de escala, diversidade da oferta e de continuidade e qualidade da programação […]. A imagem de um território ou cidade também não se constrói de um dia para o outro e reclama importantes recursos promocionais.
[…] o que os dados disponíveis e a informação qualitativa a que tivemos acesso nos dizem é que há muito caminho a percorrer, ainda que se tenha feito caminho na boa direcção. As debilidades constatadas em termos de manutenção e estrutura do sítio electrónico […], a problemática do uso das línguas nos materiais promocionais e a consistência e riqueza da programação cultural são boa ilustração do muito que falta fazer e consolidar. Outra dimensão do caminho a percorrer, no sentido de dar resposta a exigências dos turistas em termos de diversidade e escala da oferta, estará na construção de verdadeiras políticas de parceria com o território envolvente, no sentido para que aponta a iniciativa designada “Redes Urbanas para a Competitividade e Inovação”, reunindo os quatro principais núcleos urbanos do Baixo Minho, que, de ideia com elevado potencial, importa fazer realidade.».
O texto vai mais longe na análise das políticas seguidas, aparte a caracterização da oferta turística disponível. Não tendo participado no Congresso, os mais interessados terão a oportunidade de tomar contacto mais aprofundado com essas dimensões de análise e recomendações de política lendo as respectivas actas, que deverão ser publicadas ainda no presente ano.

sábado, 1 de agosto de 2009

As fortificações históricas Portuguêsas

Os portugueses, após a fundação do Forte do Presépio (1616), onde hoje se encontra a cidade de Belém, com a expedição comandada pelo Capitão-Mor da Capitania do Maranhão, Francisco Caldeira Castello Branco, começaram a explorar a imensa foz e iniciaram os reconhecimentos rio acima. Logo em seguida, mais interiorizado na imensa foz, foi levantado pelo mesmo Capitão-Mor o forte de Gurupá, que passaria a desempenhar o papel de ponto de apoio para as futuras incursões lusas, rio adentro.
O Conselho Ultramarino, preocupado com a ocupação do alto Amazonas por jesuítas espanhóis e com as penetrações exploratórias de navegantes franceses, ingleses e holandeses, já instalados em alguns pontos do Maranhão e ao norte do Cabo Orange, resolveu criar o Estado do Maranhão e Grão-Pará (1621); era o prolongamento da jurisdição territorial da antiga Capitania do Maranhão até ao norte da boca do Amazonas e o fortalecimento político da autoridade responsável pela segurança e colonização dessa área.
Em 1637, Felipe IV da Espanha, detentor das duas coroas, resolveu mandar criar a Capitania do Cabo Norte (atual Amapá), entregando sua donatária ao português Bento Manoel Parente. Não foi sem muitas lutas que os portugueses consolidaram seu poder nessa capitania ambicionada pelos franceses.
Em seguida, o Governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará resolve organizar a grande expedição portuguesa de exploração do rio Amazonas. Sob o comando do Capitão Pedro Teixeira, essa expedição (1637-1639) percorreu itinerário inverso ao feito por Orellana há quase 100 anos passados. O Capitão Pedro Teixeira subiu o Amazonas, o Marañon, o Napo, abandonou as embarcações, galgou as escarpas da cordilheira e chegou ao grande altiplano de Quito. O aparecimento de Pedro Teixeira e sua gente nos Andes surpreendeu e desagradou às autoridades espanholas.
Alguns anos após a viagem de Pedro Teixeira, chegou às terras do Vice-Reinado de Lima o bandeirante Raposo Tavares, vindo de São Paulo, tendo percorrido o rumo geral dos vales do Rio Paraná, Paraguai, atingiu a região de Santa Cruz de la Sierra, explorou as encostas andinas, teve alguns desentendimentos e choques com as autoridades espanholas, desceu o rio Grande e atingiu o Mamoré, o Madeira. o Amazonas e chegou a Gurupá, de onde havia partido o Cap. Pedro Teixeira.
O padre Antônio Vieira. narrador da bandeira de Raposo Tavares, ouvindo e transcrevendo os relatos dos presentes que acompanharam a expedição, tão audaciosa quanto a bandeira fluvial do Cap Pedro Teixeira, e que tanta conseqüência trouxe ao alargamento das fronteiras brasileiras, que seria depois consolidado pelo Tratado de Madri (1750), compara a bandeira de Raposo à façanha dos argonautas. “Mas esta tem apenas a doirá-la a lenda e o resplendor da Idade Antiga - bem modesto padrão para medi-la!”, exclama Jaime Cortezão. Faltou à empresa lendária dos argonautas “a variedade inóspita dos climas e o esforço múltiplo dos trabalhos, que exigia dos homens (e não dos deuses) uma energia física e uma constância moral que excediam à mais alta medida humana. pois devia fundir a força dos gigantes e a consciência dos heróis”.
Conjugando-se ao impulso expansionista do bandeirante paulista, partiram do Estado do Maranhão e Grão-Pará as bandeiras fluviais de conquista da Amazônia para a coroa de Portugal. Diz o historiador amazonense Samuel Benchimol: “A grande capitania da conquista foi a do Grão-Pará, onde, a partir de São Luís, se iniciou, com Francisco Caldeira Castello Branco, a história das bandeiras fluviais paraense­amazônicas. A fundação do Forte do Presépio, em Belém, no ano de 1616, serviu de base logística à expansão. Sem dúvida, a primeira grande bandeira fluvial paraense-amazônica foi a do Capitão Pedro Teixeira, que, seguindo instruções do governador Jácome de Noronha, partiu de Gurupá a 17 de outubro de 1637 com uma armada de quarenta e sete canoas, mil e duzentos índios de remo e peleja e mais seiscentos soldados portugueses, o que, contando mulheres e curumins, fazia a expedição ascender a duas mil e quinhentas almas, segundo o registro histórico de João Lúcio de Azevedo”.