domingo, 8 de maio de 2011

Dilema entre o homem e o meio

“A Amazônia não é um inferno verde nem um paraíso perdido! Mas, sim, uma vasta área onde toda uma geração espera ansiosa e confiante o esplendente alvorecer de um amanhã fecundo, diferente e promissor. É tempo, na verdade, de o homem comandar a vida na Amazônia, deixando de escravizar-se ao rio, como secularmente vem acontecendo. É tempo de findar aquela extrema anomalia, tão decantada no passado de que o homem, na selva, vivendo da exploração florestal, pelo isolamento insuperado, trabalha para escravizar-se. É tempo de mudarmos essa imagem. O que queremos é uma Amazônia integrada, mas para sempre brasileira.”

É a última página ainda a escrever-se, do Gênesis com tanta agudeza e com tanta emoção que parece latejar de febre

“De seis em seis meses, cada enchente que passa é uma esponja molhada sobre o desenho mal feito; apaga, modifica, ou transforma os traços mais salientes e firmes, como se no quadro de suas planuras desmedidas andasse o pincel irrequieto de um sobre-humano artista incontestável.”
“O espírito humano. deparando o maior dos problemas fisiográficos, e versando-o, tem-se atido a um processo analítico que se, por um lado. é o único apto a facultar elementos seguros determinantes de uma síntese ulterior, por outro lado. impossibilita o descortino do conjunto.”
A Amazônia sempre atraiu com força de verdadeiro ímã a curiosidade científica universal. Inúmeros cientistas, particularmente naturalistas, botânicos, geógrafos e historiadores da Europa e dos Estados Unidos, visitaram a região nos séculos XVIII e XIX. Todos deixaram valiosas contribuições ao conhecimento da natureza dessa imensa calha potomográfica.

luta titãnica do homem contra o meio físico

Euclides da Cunha, após ter traduzido sua experiência nordestina no monumental “Sertões”, onde descreve incomparavelmente a luta titãnica do homem contra o meio físico que o envolve, tenta repetir essa mesma experiência na Amazônia, para onde segue integrando a Comissão Mista Brasileiro-Peruana de reconhecimento do alto Purus (1905). Devemos à pena euclidiana algumas páginas de profunda meditação sobre a natureza portentosa e a pequenez do homem que tentava domá-la. Gilberto Freyre, com argúcia de sociólogo, sintetiza admiravelmente essas páginas de Euclides, dizendo: “da história como da geografia, ele teve a visão mais larga, que é a social e humana”.
Realmente, a herança literária que nos legou este mestre ao descrever o desafio toynbiano do meio físico, é talvez a mais realista fotografia da enormidade desse desafio colossal.
Vamos passar a palavra a Euclides da Cunha, reproduzindo trechos de algumas de suas obras citadas na bibliografia:
“Para vê-la, deve renunciar-se o propósito de descortiná-la. Tem-se que a reduzir, subdividindo-a, estreitando, especia1izando, ao mesmo passo os campos das observações, consoante a norma de W. Bates, seguido por Frederico Hart e pelos atuais naturalistas do Museu Paraense. Estes abalançam-se, hoje, ali, à tarefa predestinada a conquistas parciais tão longas que todas as pesquisas anteriores constítuem um simples reconhecimento de três séculos.
“A inteligência humana não suportaria de improviso o peso daquela realidade portentosa. Terá que crescer com ela, adaptando-se lhe para dominá-la. É natural, a terra ainda é misteriosa. O seu espaço é como o espaço de Milton: esconde-se a si mesmo. Anula-se a própria amplidão a extinguir-se, decaindo por todos adstrita à fatalidade geométrica da curvatura terrestre, ou iludindo as vestes curiosas com o uniforme traiçoeiro de seus aspectos imutáveis.

As palavras amazônia e panamazônia deveriam simbolizar a mesma imagem geográfica

As palavras amazônia e panamazônia deveriam simbolizar a mesma imagem geográfica. Na realidade isto não acontece. Esta imensa região natural, portadora de ecologia uniforme, abrangendo o território de seis países tributários, é enfocada por seus condôminos sob uma visão particularizada. Assim é que, quando o brasileiro, o venezuelano, o colombiano, o peruano, o equatoriano ou boliviano refere-se à Amazônia, está falando na sua Amazônia nacional.
Visando à clareza das idéias, conceitos, formulações e perspectivas deste estudo, utilizaremos o vocábulo Pan-Amazônia toda vez que nos referirmos ao conjunto dessa região abrangente. Aliás, dois grandes escritores amazônicos contemporâneos, Arthur Cezar Ferreira Reis e Samuel Benchimol, já foram obrigados a se utilizar do vocábulo Pan-Amazônia para dar a abrangência desejada às suas idéias. Observa-se da parte de alguns geógrafos, como Haroldo de Azevedo por exemplo, a tendência de incluir as três Guianas entre os países amazônicos. Do ponto de vista hidrográfico, este critério não se justifica, já que os seus territórios estão fora da bacia, separados pela parede do sistema guiana, com exceção de uma pequena penetração fluvial na República da Guiana.
A Pan-Amazônia impressiona pelos números que caracterizam a sua expressão geográfica. Samuel Benchimol, em livro recente, imagina uma cosmovisão da Terra tomada do planeta Marte, na qual a grande região amazônica seria vista com a seguinte representatividade:
-vigésima parte da superfície terrestre;
-quatro décimos da América do Sul;
-três quintos do Brasil;
• um quinto da disponibilidade mundial de água doce; e
• um terço das reservas mundiais de florestas latifoliadas. Em contraste, esta imensidão de terras, águas e florestas abriga
apenas dois e meio milésimos da população mundial. A grande planície Pan-amazônica, abrindo-se em leque de leste para oeste, circundada ao norte pelas vertentes do maciço das Guianas, ao sul pelos degraus descendentes do planalto central brasileiro e a oeste pelos peneplanos da cordilheira andina, forma uma “verdadeira macrounidade, onde se integram espaço geográfico, condições climáticas, província botânica, bacia hidrográfica e características sócioeconômicas.
A bacia abrange a extensão enorme de 7 milhões de km2, duas vezes maior que a do Mississipi (3,2 milhões de km2) e duas vezes e meia maior que a do Nilo (2,8 milhões de km2).
O que mais impressiona nessa imensidão é a espessa floresta latifoliada tropical, do tipo hiléia, de grande extensão e homogeneidade panorâmica, cobrindo 70% de toda região. A cobertura vegetal restante, localizada nas ladeiras das cordilheiras e do planalto brasileiro, é composta por florestas mistas de transição, zonas de cocais, cerrados e savanas.